segunda-feira, 31 de agosto de 2009

VATICANISTA ITALIANO INSISTE: O PAPA ESTÁ CONSIDERANDO UMA "REFORMA DA REFORMA"

O vaticanista italiano Andrea Tornielli assinalou este sábado em seu blog que as recentes elucidações de altas personalidades do Vaticano não desmentem o que ele afirmou em um artigo no jornal Il Giornale no passado 22 de agosto: que o Papa Bento XVI está considerando algumas medidas para aprofundar "a reforma da reforma" litúrgica.
Tanto em um artigo como em seu usualmente bem informado blog, Tornielli tinha anunciado no dia 22 de agosto que a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, presidida pelo Cardeal Antonio Cañizares, tinha apresentado um conjunto de medidas litúrgicas –entre elas, um maior uso do latim na Missa, a possibilidade de incluir a posição "ad orientem" pelo menos na consagração, e o acento da comunhão na boca– que estavam sendo estudadas pelo Pontífice.
Em aparente resposta ao afirmado pelo Tornielli, o vice-diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, o Pe. Ciro Benedettini, assinalou em 24 de agosto que "não existem propostas institucionais referidas à modificação dos livros litúrgicos"; e na sexta-feira passada, em uma entrevista concedida ao L'Osservatore Romano, o Secretário de estado, Cardeal Tarcisio Bertone, referiu-se às "reconstruções fantasiosas sobre documentos de 'retrocesso' em relação ao Concílio".
Segundo Tornielli, a desmentida do Pe. "Benedettini e o comentário do Cardeal Bertone "mais que por meu artigo, foi provocada pela maneira como o retomaram vários blogs, que davam por iminente a 'reforma da reforma" e as modificações à Missa em sentido mais tradicional".
Tornielli esclareceu no sábado que ele em todo momento se referiu "ao início de um trabalho" e não "de reformas iminentes ou de documentos já preparados"; e assinalou que tanto os resultados da plenária da Congregação que preside o Cardeal Cañizares como sua apresentação ao Papa para sua consideração são atos reais.
"Tudo isto é para dizer que não creiam a quem hoje escreve dizendo que não há nada em ato, que o Papa e a Congregação para o Culto não estão pensando em nada, que a 'reforma da reforma' e a recuperação de uma maior sacralidade da liturgia é uma notícia falsa publicada pelo subscrito", escreve.
Tornielli conclui assinalando que: "desde que sou vaticanista cometi muitos enganos e cometerei muitos ainda, mas o artigo em questão, creiam-me, não está entre eles".

Fonte: Agência ACI - 31/08/09

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

EVANGELHO SEGUNDO S. MATEUS 25,1-13

Comentário ao Evangelho do dia feito por : São Gregório de Nazianzo (330-390), bispo e Doutor da Igreja Sobre o Santo Batismo, Discurso 40, 46; PG 36, 425 (a partir da trad. Delhougne, Les Pères commentent, p. 154)
«Aí vem o noivo!»
Imediatamente após o teu batismo, ficarás de pé diante do grande santuário para significar a glória do mundo que está para vir. O canto dos salmos que te acolherá é o prelúdio dos louvores celestes. As candeias que acenderás prefiguram esse cortejo de luzes que conduzirá ao noivo as nossas almas resplandecentes e virgens, munidas das candeias brilhantes da fé.
Tenhamos o cuidado de não nos abandonarmos ao sono, por descuido, não vá Aquele que esperamos surgir de improviso sem que O tenhamos visto chegar. Não nos deixemos ficar sem provisões de azeite e de boas obras, não aconteça que sejamos excluídos da sala de núpcias.
[...] O noivo entrará com grande pressa. As almas prudentes entrarão com Ele. As outras, atarefadas a preparar as suas candeias, não disporão de tempo para entrar e serão deixadas de fora, no meio das lamentações. Só demasiado tarde se darão conta do que perderam devido ao seu descuido. [...]
Elas assemelhar-se-ão também àqueles convidados para as núpcias que um nobre pai celebra em honra de um noivo nobre e que se recusam a tomar parte nelas: um, porque acabava de se casar; outro porque acabava de comprar um campo; um terceiro porque adquirira uma parelha de bois (Lc 14, 18ss.). [...] Porque não há lugar no céu para o orgulhoso e o descuidado, para o homem sem vestes convenientes, que não usa o trajo de núpcias (Mt 22, 11), ainda que na terra ele fosse considerado digno do esplendor celeste, e se tivesse introduzido furtivamente no grupo dos fiéis, alimentado de falsas esperanças.
Que acontecerá em seguida? O Noivo sabe o que nos ensinará quando estivermos no céu e sabe que relações estabelecerá com as almas que aí tenham entrado com Ele. Creio que viverá em sua companhia e lhes ensinará os mistérios mais perfeitos e mais puros.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

NO BRASIL, QUEM SE LEMBRA?

D. Hélder da Câmara morreu há 10 anos
Bispo brasileiro fica na história pelo seu pioneirismo dentro e fora da Igreja

Numa das suas passagens por Portugal, D. Hélder da Câmara afirmou que “ninguém nasce para ser escravo ou mendigo”. No entanto, ao observar a realidade que o circundava, o antigo bispo de Olinda e Recife (Brasil) via que eles existiam e estavam bem perto do pastor. A cidade de Fortaleza (Brasil) viu nascer, a 7 de Fevereiro de 1909, D. Hélder da Câmara. Filho de uma família pobre e numerosa (dos treze irmãos apenas oito conseguiram sobreviver), os pais deram-lhe o nome de um pequeno porto holandês: Hélder.
Aos 14 anos ingressa no Seminário diocesano da cidade natal (Prainha de São José), sendo metade das despesas pagas pela Obra das Vocações Sacerdotais. Recebeu a ordenação sacerdotal em 1931 e, cinco anos depois, foi enviado para o Rio de Janeiro, onde se tornou animador da Ação Católica Brasileira e, posteriormente, seu assistente nacional. Nos ouvidos ressoam-lhe palavras antigas do pai: “Meu filho, você sabe o que é ser padre? Padre e egoísmo nunca podem andar juntos.”
Apesar de ter ficado conhecido como ícone da paz e irmão dos pobres, nos primeiros tempos de padre esteve ligado ao movimento «Ação Integrista Brasileiro», próximo das teses de Mussolini e do corporativismo português. Aos olhos de alguns era uma «persona non grata». Mais tarde, D. Hélder da Câmara explica esse episódio: “Participei num movimento de que estava convencido. O grande combate era entre o Este e o Oeste, os Estados Unidos e a União Soviética”. E acrescenta: “Mas depressa me apercebi que mais grave do que essa luta era a que se travava entre o Norte e o Sul”.
A Segunda Guerra Mundial e o agravamento da situação social no Brasil reconduziram D. Hélder da Câmara ao lugar de líder da contestação social e religiosa no Brasil. Em 1952 é nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro pelo papa Pio XII.
Poucos anos antes da sua nomeação trabalhou na Nunciatura Apostólica do Rio e, através de contactos diretos com Monsenhor Montini (futuro Papa Paulo VI), conseguiu que a Secretaria de Estado do Vaticano aprovasse a constituição da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB). Esta foi a precursora das Conferências Episcopais criadas, mais tarde, pelo II Concílio do Vaticano. Depois da aprovação da CNBB, D. Hélder propõe ao Vaticano a fundação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). A autorização chegou em 1955, acumulando D. Hélder Câmara o cargo de Secretário-Geral da CNBB e Vice-presidente da CELAM.
Paralelamente à dinamização destes dois organismos, o prelado brasileiro empenhou-se também no campo social. Em 1956 funda a Cruzada S. Sebastião (destinada à solução dos problemas habitacionais nas favelas) e, três anos mais tarde (1959) criou o Banco da Providência (entidade de assistência social para os casos de miséria absoluta).
Em 1964 foi nomeado arcebispo de S. Luis do Maranhão e meses depois é enviado para Olinda e Recife, onde permanecerá, como bispo residencial, durante vinte anos. “Aqui eu sonhei com uma obra em que pudesse trabalhar não para o povo, mas com o povo” – sublinhou na altura. Preocupa-se com o problema do desenvolvimento e da pobreza em todo o nordeste brasileiro.
A sua voz profética ecoava, apesar das perseguições que lhe moveram. Em 1968, o pastor daquele território eclesial publica o livro «Revolução dentro da Paz». Dois anos depois, uma campanha difamatória impede-o de receber o Prêmio Nobel da Paz. Foi acusado de demagogo, exibicionista e “emissário camuflado de Fidel Castro e Mao”.
Nunca recebeu galardão da Paz, no entanto o município de Oslo (Noruega) concedeu-lhe (em 1974) um prêmio de valor equivalente. O seu prestígio internacional era intocável e recebeu o doutoramento «Honoris Causa» de várias universidades. O Japão atribuiu-lhe (1983) o prêmio Niwano para a Paz, enquanto a Itália o distinguiu com o Prêmio Balzan.
Trabalhar com os pobres era a sua paixão. No entanto, da sua pena saíram várias obras literárias: «O deserto é fértil» (1971); «Cristianismo, Socialismo, Capitalismo» (1973); «Nossa senhora no meu caminho» (1981) e «Utopias peregrinas» (1993). Dois poemas seus inspiraram uma oratória e um ballet: «Sinfonia dos dois mundos» (musicada pelo Pe. Pierre Kaelin) e «Missa para um tempo futuro» (com coreografia de Maurice Béjart).
A 7 de Julho de 1980, durante a viagem de João Paulo II ao Brasil, o papa polaco reabilita publicamente a sua imagem ao abraçá-lo efusivamente e dando-lhe o maior título de sempre: «Irmão dos pobres e meu irmão». Um gesto ovacionado por uma multidão perplexa.
No mês de Abril de 1984, o «bispo vermelho e dos pobres» despede-se da sua diocese, depois de Roma ter aceite a sua resignação por limite de idade. “Pouco importa que um bispo se jubile; a Igreja continua” – disse D. Hélder Câmara na Eucaristia celebrada no Estádio do Recife perante 30 mil pessoas.
A 27 de Agosto de 1999, o homem que tinha como lema «In Manus Tuas» (Nas Tuas Mãos) despediu-se da vida terrena. Quando soube da sua morte, D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal disse: “um gigante da história da Igreja que impressionava pela sua fragilidade humana, mas albergava uma coragem do tamanho do mundo”.

Fonte: Newsletter Agência Ecclesia – 27/08/09

EVANGELHO SEGUNDO S. MATEUS 24,42-51

Comentário ao Evangelho do dia feito por:
São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e Doutor da Igreja Sermão 1 para o Advento (a partir da trad. cf. Sr Isabelle de la Source, Lire la Bible, t. 6, p. 137)
A meio da noite
Quando veio o Salvador? Não veio no princípio dos tempos, nem no meio, mas no fim. E teve uma razão para isto. Muito sabiamente, a Sabedoria divina, ciente de que os filhos de Adão são dados à ingratidão, considerou que só devia valer-lhes com o seu socorro quando estivessem na maior necessidade.E já, em verdade, a noite ia caindo e o dia estava no ocaso, «o sol da justiça» tinha pouco a pouco desaparecido (Lc 24, 29; Ml 3, 20); já espalhava sobre a terra um luar incerto e um fraco calor, apenas. De fato, a luz do conhecimento de Deus minguara muito e o calor da caridade esfriaria, na sequência de uma crescente iniquidade (Mt 24, 12). Os anjos já não apareciam, já não havia oráculos de profetas; tinham desaparecido, acabado, como que vencidos perante o extremo endurecimento dos homens e a sua obstinação. Foi nesse momento que o Filho afirmou: «Então eu digo: Estou aqui!» (Sl 39, 8). Sim, na hora em que um silêncio profundo tudo envolvia, e a noite ia a meio do seu curso, a Tua Palavra toda-poderosa, Senhor, desceu do céu, do Seu trono real (Sb 18, 14). Tal como disse o apóstolo Paulo: «Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o Seu Filho» (Gal 4, 4).

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

EVANGELHO SEGUNDO S. MATEUS 23,27-32

Comentário ao Evangelho do dia feito por:

São Bernardo (1091-1153), monge cistercense e Doutor da Igreja
2º sermão para o 1º dia da Quaresma, 5; PL 183, 172-174 (a partir da trad. Bouchet, Lectionnaire, p. 143)

«Cria em mim, ó Deus, um coração puro» (Sl 50, 12)

«Rasgai os vossos corações, e não as vossas vestes», diz o profeta (Jl 2, 13). Qual de entre vós tem uma vontade particularmente submissa à teimosia? Que rasgue o seu coração com a espada do Espírito, que não é outra senão a Palavra de Deus. Que o rasgue e o reduza a pó, porque ninguém pode converter-se ao Senhor se não com o coração quebrado. [...] Escuta um homem que Deus encontrou de acordo com o Seu coração: «O meu coração está firme, ó Deus, o meu coração está firme» (Sl 56, 8). Está firme para a adversidade, está firme para a prosperidade, está pronto para as coisas humildes, está pronto para aquelas que são elevadas, está pronto para o que ordenares. [...] «O meu coração está firme, ó Deus, o meu coração está firme». Quem está, como David, pronto a partir, a entrar e a caminhar segundo a vontade do Rei?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

PASTORAL AFRO-BRASILEIRA PEDE APROVAÇÃO DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

A pastoral afro-brasileira, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), emitiu uma carta endereçada ao deputado federal Carlos Santana (PT/RJ), pedindo a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que voltou a tramitar no Congresso Nacional. Santana é titular da Comissão Especial da Câmara, que analisa o projeto.
“A aprovação desse instrumento faz-se necessária devido à explícita situação de pobreza e miséria da população afro-brasileira, os preconceitos e discriminações sofridas. Sua posterior implementação dará condições de o Brasil sanar sua dívida com essa parcela da sociedade brasileira, um dos pilares da identidade nacional”, afirma um dos trechos da carta, assinada pelo bispo responsável pela pastoral Afro, dom Frei João Alves dos Santos, e pelo assessor padre Ari Antônio dos Reis.
O Estatuto possui 85 artigos que abordam temas como o acesso à Justiça; a criação de ouvidorias; o funcionamento dos meios de comunicação; sistema de cotas raciais; mercado de trabalho; direitos dos quilombolas; direitos da mulher afro-brasileira; incentivos financeiros; religião; cultura; esporte e lazer.
O texto completo do Estatuto da Igualdade racial se encontra no site da Câmara: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/359794.pdf

EVANGELHO SEGUNDO S. MATEUS 23,23-26

Comentário ao Evangelho do dia feito por:

Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo
Homilias sobre Josué, n°5, 2 (a partir da trad. SC 71, p. 167)

«Limpa antes o interior do copo»

Partamos para a guerra como Josué; tomemos de assalto a cidade mais importante deste mundo, a malícia, e destruamos as muralhas orgulhosas do pecado. Olhando ao teu redor, vês o caminho que é preciso seguir, que campo de batalha precisas de escolher? As minhas palavras vão surpreender-te; no entanto, são verdadeiras: limita a tua procura a ti mesmo. Em ti está o combate a que deves entregar-te; dentro de ti está o edifício da malícia que é preciso destruir; o teu inimigo vem do fundo do teu coração.

Não sou eu que o digo, mas Cristo; escuta-O: «Do coração procedem às más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfêmias» (Mt 15, 19). Conheces o poder deste exército inimigo que avança contra ti do fundo do teu coração? Ei-los, os inimigos a massacrar no primeiro combate, a arrasar na primeira linha. Se formos capazes de derrubar as suas muralhas e destruí-los até que não reste nenhum para o contar, nenhum com vida (Jos 11, 14), nem um só que possa recuperar o fôlego e reaparecer nos nossos pensamentos, então Jesus dar-nos-á o grande descanso.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ENTREGAR A VIDA A CRISTO A PESAR DO "ESCÂNDALO" DA FÉ, PEDE O PAPA BENTO XVI

Ao presidir ao meio-dia (hora local) a reza do Ângelus dominical no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, o Papa Bento XVI insistiu a todos a que renovem sua entrega ao Senhor Jesus para ser assim testemunhas de seu amor ante o mundo, avançando contra corrente; sem importar o "escândalo" do “paradoxo da fé cristã".
Ao meditar sobre o Evangelho de João deste domingo que fecha o discurso eucarístico do Pão de Vida, o Santo Padre recordou que a "provocadora pergunta" de Cristo a seus apóstolos: "Vocês também querem ir-se?" não está "dirigida somente a quem os escutava então, mas sim alcança aos crentes e homens de toda época. Inclusive hoje, muitos seguem 'escandalizados' ante o paradoxo da fé cristã".
Seguidamente o Papa explicou que o ensino de Jesus sobre a necessidade de "comer seu corpo e seu sangue" parece "'duro', muito difícil de acolher e pôr em prática. Por isso surgem quem rechaça e abandonam a Cristo, quem procura 'adaptar' a palavra aos modos dos tempos extirpando-lhes o sentido e o valor".
"'Vocês também querem ir embora? ' Esta inquietante provocação ressoa no coração e espera de cada um uma resposta pessoal", sublinhou Bento XVI.
Jesus, prosseguiu o Papa, "não se contenta com uma pertença superficial e formal, não lhe é suficiente uma primeira e entusiasta adesão, acontece o contrário, é necessário tomar parte para toda a vida 'em seu pensamento e querer'. Segui-lo enche o coração de alegria e dá sentido pleno à nossa existência, mas comporta uma série de dificuldades e renúncias porque com muita freqüência é necessário avançar contra a corrente".
Citando logo a resposta de Pedro ao Senhor: "Senhor, a quem iremos. Só Tu tens palavras de Vida eterna e nós acreditamos que tu és o Santo de Deus", o Papa Bento XVI indicou que "também nós podemos repetir a resposta de Pedro, conscientes da nossa humana fragilidade, mas confiados na potência do Espírito Santo, que se expressa e manifesta na comunhão com Jesus".
"A fé é um dom de Deus para o homem e, ao mesmo tempo, é a livre e total adesão do homem a Deus, a fé é a dócil escuta da palavra do Senhor que se faz 'Lâmpada' para nossos passos e 'luz' em nosso caminho. Se abrirmos com fé o coração a Cristo, se nos deixarmos conquistar por Ele, podemos experimentar também nós, junto ao Santo Cura D'Ars, também que 'nossa felicidade nesta terra é amar a Deus e saber que Ele nos ama'".
Finalmente o Papa pediu "à Virgem Maria que vele sempre por nós por esta fé impregnada de amor, que está nela, humilde donzela de Nazaré, Mãe de Deus e mãe e modelo de todos os fiéis".
Fonte: ACI – 23/08/09 - VATICANO

EVANGELHO SEGUNDO S. JOÃO 1,45-51

Comentário ao Evangelho do dia feito por:

Filoxeno de Mabboug (? - c. 523), bispo na Síria
Homilia n° 4, 76-79 (a partir da trad. SC 44, p. 95 rev.)

«Vem e verás»

Jesus renovou aos santos apóstolos o chamamento que tinha feito a Abraão. E a sua fé assemelhava-se à de Abraão; porque, tal como Abraão obedeceu logo que foi chamado (Gn 12), também os apóstolos seguiram Jesus logo que Ele os chamou e eles O ouviram. [...] Não foi um longo ensinamento o que os tornou discípulos, mas o simples fato de terem ouvido a palavra da fé. Como era viva, a fé deles obedeceu à vida logo que ouviu a voz viva. Imediatamente correram atrás dela, sem mais demoras; assim se vê que já eram discípulos no coração, mesmo antes de terem sido chamados.


Eis como age a fé que manteve a sua simplicidade. Não recebe o ensino à força de argumentos; mas, assim como os olhos sãos e puros recebem o raio de sol que lhes é enviado, sem raciocinarem nem trabalharem, e se dão conta da luz logo que se abrem [...], assim também os que têm a fé natural reconhecem a voz de Deus logo que a ouvem. Neles se ergue a luz da palavra; lançam-se alegremente ao seu encontro e acolhem-na, tal como nosso Senhor diz no Evangelho: «As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz e seguem-Me» (Jo 10, 27).

Hoje: S. Bartolomeu, Apóstolo – festa

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

EVANGELHO SEGUNDO S. MATEUS 22,1-14
Comentário ao Evangelho feito por:

Santo Agostinho (354-430), Bispo de Hipona (Norte de África) e Doutor da Igreja
Sermão 90, 5-6; PL 38-39, 561-563


O traje das bodas

Que é o traje das bodas, a veste nupcial? O apóstolo Paulo diz-nos: «Os preceitos não têm outro objetivo senão a caridade que nasce de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sem fingimento» (1Tim 1, 5). É essa a veste nupcial. Não se trata de qualquer amor, porque muitas vezes vêem-se homens que amam com má consciência. Os que se entregam juntos a brigas, à maldade, os que se amam com o amor dos atores, dos condutores de carros, dos gladiadores, amam-se generosamente entre si, mas não com aquela caridade que nasce de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sem fingimento; ora, a veste nupcial não é essa caridade.

Revesti-vos, pois, da veste nupcial, vós que ainda a não tendes. Já entrastes na sala do banquete, ides aproximar-vos da mesa do Senhor, mas não tendes ainda, em honra do Esposo, a veste nupcial: procurais ainda os vossos interesses e não os de Jesus Cristo. Usa-se o traje nupcial para honrar a união nupcial, isto é, o Esposo e a Esposa. Vós conheceis o Esposo, é Jesus Cristo; conheceis a Esposa, é a Igreja (Ef 5, 32). Prestai honra àquela que é desposada, prestai honra também Àquele que a desposa.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

EXPOSIÇÃO E BÊNÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO



Modo correto de realizar

Convém, antes de tudo, notar que a adoração ao Santíssimo NÃO é um ato litúrgico. Ela pode ser INSERIDA em um ato litúrgico, isso sim. Tanto é verdade que se pode adorar o Santíssimo no tabernáculo, em uma visita eucarística etc.

O Rito da Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento, previsto no Ritual Romano, consta de duas formas: a exposição simples e a exposição solene. Diferem-se porque a simples é feita com o Santíssimo no cibório, enquanto a solene é feita com o Santíssimo no ostensório, e também porque a solene pede pluvial, enquanto a simples não. Na forma solene, o incenso é obrigatório. Na simples, facultativo. Em ambas as formas, segue-se o mesmo esquema: exposição, adoração, bênção, reposição.

A exposição simples pode ser feita por um sacerdote, por um diácono, ou, em casos extraordinários, por um leigo. Sendo feita por um leigo, não dá a bênção, terminando o rito com a mera reposição. Já a exposição solene só pode ser feita por sacerdote e diácono. Servem ao ministro da exposição alguns acólitos, idealmente, na forma solene, em número de três (podendo ser dois ou até um, em caso de necessidade).

O sacerdote e o diácono, ministros ordinários da Exposição do Santíssimo, usarão ou ALVA (com ou sem CÍNGULO, com ou sem AMITO), caso não estejam de veste talar, ou, quando com ela estiverem, vestirão por cima a SOBREPELIZ. Quer usem alva, quer usem veste talar com sobrepeliz, sempre estarão com a ESTOLA de cor branca. A veste talar do Bispo pode ser tanto a violeta quanto a preta com faixa violeta.

No fim da adoração, o sacerdote e o diácono vestirão o PLUVIAL de cor branca e, se for Exposição Solene, i.e., com ostensório, usarão o VÉU UMERAL, também branco, para segurá-lo ao dar a bênção. Na Exposição Simples, com cibório, não estará o ministro ordinário de pluvial, apenas com o véu umeral. Também se usa véu umeral para buscar o Santíssimo Sacramento quando se encontrar em outro local que não o da Exposição. Em qualquer procissão com o Santíssimo Sacramento no ostensório, o sacerdote ou diácono usará o pluvial.

O acólito quer atue como auxiliar do ministro ordinário, quer como ministro extraordinário – nos casos previstos pela lei litúrgica –, usará ou a alva (e o cíngulo e o amito) ou a sobrepeliz sobre a veste a talar. Os demais leigos podem tanto vestir-se como o acólito, quanto se apresentar com sua roupa civil comum, mas adequada à solenidade da celebração litúrgica, ou ainda usar uma veste litúrgica aprovada pelo Ordinário. Com base na Exposição Solene, sabe-se como fazer a simples, eis que basta tirar a obrigatoriedade do incenso, não usar pluvial, e mudar o ostensório pelo cibório.

Rito explicado da Exposição Solene


1. Exposição: O ministro, de alva e estola (ou batina, sobrepeliz e estola) abre o sacrário, com toda a reverência, e todos se ajoelham, em adoração ao Santíssimo Sacramento. Os acólitos vão ao seu lado. Entoa-se um canto eucarístico (exemplo: Ave verum Corpus, ou as primeiras estrofes do Pange Lingua, ou o Adoro te devote etc.), enquanto o ministro coloca o Santíssimo Sacramento no ostensório, e este no local apropriado (um trono ou sobre o corporal que estará aberto no altar). O Santíssimo Sacramento é incensado, conforme o rito aprovado no Ritual Romano. O ministro, com o ministro e os acólitos versus Deum.

2. Adoração: O ministro e os acólitos podem ficar em adoração, mas sempre versus Deum, não "escondidos" atrás do altar, versus populum. Podem também se retirar. A adoração é livre: pode-se rezar o terço, ficar em silêncio, ler o Evangelho, fazer uma meditação, pregar, cantar, louvar etc. Geralmente é a parte do rito em que as características próprias de uma espiritualidade específica são postas "em prática". Pode-se também rezar um ofício da Liturgia das Horas, mas nunca, no rito romano moderno, a Santa Missa. Finda a adoração, o ministro e os acólitos se aproximam para rezar em silêncio. O ministro estará com o pluvial por cima das demais vestes.

3. Bênção: Todos cantam, de joelhos, diante do Santíssimo Sacramento, um hino eucarístico, de preferência o Tantum Ergo (i.e., as duas últimas estrofes do Pange Lingua), quer uma das suas melodias gregorianas, quer uma versão do mesmo hino em polifonia, quer ainda sua versão popular (em latim ou vernáculo). Na segunda estrofe, o ministro levanta-se e incensa o Santíssimo Sacramento, com o auxílio do acólito, se houver. Os demais fiéis permanecem de joelhos. Depois de incensar e cantar o Tantum Ergo, o ministro diz: "Do céu lhes destes o pão." E todos respondem: "Que contém todo o sabor." E o ministro: "Oremos: Senhor Jesus Cristo, que neste admirável sacramento...", terminando com "Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos", ao que todos respondem: "Amém." O acólito coloca o véu umeral no ministro, por cima do pluvial. Segurando o ostensório com o véu umeral, o ministro, auxiliado pelo acólito, abençoa a todos com o Santíssimo Sacramento, que é incensado segundo as rubricas. Em seguida, podem-se rezar preces conforme a devoção pessoal ou estiver estabelecido a conferência episcopal: no Brasil, reza-se o "Bendito seja Deus", em português ou latim. Nessas preces, o ministro fica, novamente, ajoelhado.

4. Reposição: O ministro e os acólitos se levantam. O ministro, então, abre a luneta do ostensório, e pega o Santíssimo, colocando-o no cibório, e guardando-o no tabernáculo, enquanto se pode cantar um canto eucarístico (por exemplo, o Adoremus in aeternum)

Velas

No mínimo duas, mas o normal são quatro para a exposição simples e seis para a solene. Pode-se apagar a luz, mas vejo sentido e vai contra a tradição litúrgica romana, além de criar um clima "emocional" demais. As trevas são características do Ofício de Leituras e Laudes celebrados conjuntamente na Quinta, Sexta e Sábado Santos, não da Exposição. Mas, se for pastoralmente conveniente, as rubricas não proíbem.

Presença do ministro durante a adoração no Rito

A exposição solene (i.e., com ostensório) é feita SEMPRE por diácono ou sacerdote. Mas ele não precisa ficar todo o tempo na adoração. O diácono ou sacerdote expõe, depois pode se retirar, e volta só na hora da reposição. Na adoração perpétua, essa reposição é feita por ocasião da Missa, se houver, ou quando não tiver mais ninguém em oração, ou ainda em momento determinado pelos costumes locais.

Procissão com o Santíssimo

Se houver procissão do Santíssimo, ela é feita antes da bênção, como forma de adoração, ou mesmo depois da bênção. O primeiro caso é o mais comum. Se o Santíssimo está em outro local, a procissão é o tempo que decorre de sua retirada até a colocação em exposição para adoração. Todas essas formas são lícitas. Mas é preciso atentar para uma coisa. Se na exposição sem procissão, o padre vai até o tabernáculo que está no próprio local e retira o Santíssimo para colocar no ostensório, sem estar com pluvial nem umeral (apenas alva e estola, ou batina, sobrepeliz e estola), no caso de estar o Santíssimo em outro local, já que há procissão, ele estará, desde o início dela, com pluvial e umeral. Não basta só um deles. Nem se pode deixar os dois. O mesmo para procissões antes ou depois da bênção: procissão eucarística sempre é com pluvial e umeral. Pode-se fazer em locais fechados ou abertos.

Umbela e baldaquino

A sombrinha é a umbela (isso, sem o "r", mas a origem etimológica é a mesma), também chamada pequeno pálio. Já a cobertura maior, com as hastes laterais, é o baldaquino móvel, dossel ou grande pálio. É obrigatório quando a procissão é feita em local aberto. Facultativa em local fechado.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

BENTO XVI APRESENTA SANTO ESTÊVÃO - DIÁCONO E MÁRTIR

Intervenção de Bento XVI durante a audiência geral de 10 de janeiro de 2007 (quarta-feira) dedicada a apresentar a figura do primeiro mártir do cristianismo, Santo Estêvão.
Queridos irmãos e irmãs:
Depois das festas, voltemos a nossas catequeses. Eu tinha meditado convoco nas figuras dos doze apóstolos e de São Paulo. Depois havíamos começado a refletir em outras figuras da Igreja nascente. Deste modo, hoje queremos deter-nos na pessoa de Santo Estêvão, festejado pela Igreja no dia depois do Natal. Santo Estêvão é o mais representativo de um grupo de sete companheiros. A tradição vê neste grupo a semente do futuro ministério dos «diáconos», ainda que é preciso destacar que esta denominação não está presente no livro dos «Atos dos Apóstolos». A importância de Estêvão, em todo caso, fica clara pelo fato de que Lucas, neste importante livro, lhe dedica dois capítulos inteiros.
A narração de Lucas começa constatando uma subdivisão que acontecia dentro da Igreja primitiva de Jerusalém: estava formada totalmente por cristãos de origem judaica, mas entre estes, alguns eram originários da terra de Israel, e eram chamados «hebreus», enquanto outros procediam da fé judaica do Antigo Testamento, da diáspora de língua grega, e eram chamados «helenistas». Deste modo, começava a perfilar-se o problema: os mais necessitados entre os helenistas, especialmente as viúvas desprovidas de todo apoio social, corriam o risco de ser descuidadas na assistência de seu sustento cotidiano. Para superar estas dificuldades, os apóstolos, dedicando-se à oração e ao ministério da Palavra como sua tarefa central, decidiram encarregar a «sete homens, de boa fama, cheios de Espírito e de sabedoria» para que cumprissem com o encargo da assistência (Atos 6, 2-4), ou seja, do serviço social caritativo.
Com este objetivo, como escreve Lucas, por convite dos apóstolos, os discípulos escolheram sete homens. Temos seus nomes. São: «Estêvão, homem cheio de fé e de Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos aos apóstolos e estes, orando, impuseram-lhes as mãos» (Atos 6, 5-6).
O gesto da imposição das mãos pode ter vários significados. No Antigo Testamento, o gesto tem sobretudo o significado de transmitir um encargo importante, como fez Moisés com Josué (cf. Números 27, 18-23), designando assim seu sucessor. Seguindo esta linha, também a Igreja da Antioquia utilizará este gesto para enviar Paulo e Barnabé em missão aos povos do mundo (cf. Atos 13, 3). A uma análoga imposição das mãos sobre Timóteo para transmitir um encargo oficial fazem referência as duas cartas que São Paulo lhe dirigiu (cf. 1 Timóteo 4, 14; Timóteo 1, 6). O fato de que se tratasse de uma ação importante, que era preciso realizar depois de um discernimento, se deduz do que se lê na primeira carta a Timóteo: «Não te precipites em impor a ninguém as mãos, não te faças partícipe dos pecados alheios» (5, 22). Portanto, vemos que o gesto da imposição das mãos se desenvolve na linha de um sinal sacramental. No caso de Estêvão e seus companheiros, trata-se certamente da transmissão oficial, por parte dos apóstolos, de um encargo e ao mesmo tempo da imploração de uma graça para exercê-lo.
O mais importante é que, além dos serviços caritativos, Estêvão desempenha também uma tarefa de evangelização entre seus compatriotas, os assim chamados «helenistas». Lucas, de fato, insiste no fato de que ele, «cheio de graça e de poder» (Atos 6, 8), apresenta no nome de Jesus uma nova interpretação de Moisés e da própria Lei de Deus, relê o Antigo Testamento à luz do anúncio da morte e da ressurreição de Jesus. Esta releitura do Antigo Testamento, releitura cristológica, provoca as reações dos judeus que interpretam suas palavras como uma blasfêmia (cf. Atos 6, 11-14). Por este motivo, é condenado à lapidação. E São Lucas nos transmite o último discurso do santo, uma síntese de sua pregação.
Como Jesus havia explicado aos discípulos de Emaús que todo o Antigo Testamento fala d’Ele, de sua cruz e de sua ressurreição, deste modo, Santo Estêvão, seguindo o ensinamento de Jesus, lê todo o Antigo Testamento desde uma perspectiva cristológica. Demonstra que o mistério da Cruz se encontra no centro da história da salvação narrada no Antigo Testamento, mostra realmente que Jesus, o crucificado e ressuscitado, é o ponto de chegada de toda essa história. E demonstra, portanto, que o culto do templo também acabou e que Jesus, o ressuscitado, é o novo e autêntico «templo». Precisamente este «não» ao templo e a seu culto provoca a condenação de Santo Estêvão, que, nesse momento -- diz-nos são Lucas --, ao dirigir o olhar ao céu, viu a glória de Deus e Jesus à sua direita. E olhando ao céu, a Deus e a Jesus, Santo Estêvão disse: «Estou vendo os céus abertos e o Filho do homem que está em pé à direita de Deus» (Atos 7, 56). Depois veio o seu martírio, que de fato se conforma com a paixão do próprio Jesus, pois entrega ao «Senhor Jesus» seu próprio espírito e reza para que o pecado de seus assassinos não lhes seja levado em conta (cf. Atos 7, 59-60).
O lugar do martírio de Estêvão, em Jerusalém, se situa tradicionalmente fora da Porta de Damasco, no norte, onde agora se encontra precisamente a Igreja de Saint-Étienne, junto à conhecida «École Biblique» dos dominicanos. Ao assassinato de Estêvão, primeiro mártir de Cristo, seguiu uma perseguição local contra os discípulos de Jesus (cf. Atos 8, 1), a primeira que se verificou na história da Igreja. Constituiu a oportunidade concreta que levou o grupo de cristãos hebreus e helenistas a fugir de Jerusalém e a dispersar-se. Expulsos de Jerusalém, transformaram-se em missionários itinerantes. «Os que se haviam dispersado iam por todas partes anunciando a Boa Nova da Palavra» (Atos 8, 4). A perseguição e a conseguinte dispersão se convertem em missão. O Evangelho se propagou deste modo na Samaria, na Fenícia e na Síria, até chegar à grande cidade de Antioquia, onde, segundo Lucas, foi anunciado pela primeira vez também aos pagãos (cf. Atos 11, 19-20) e onde ressoou pela primeira vez o nome de «cristãos» (Atos 11, 26).
Em particular, Lucas especifica que os que lapidaram Estêvão «puseram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo» (Atos 7, 58), o mesmo que de perseguidor se converterá em apóstolo insigne do Evangelho. Isso significa que o jovem Saulo deve ter escutado a pregação de Estêvão, e conhecido os conteúdos principais. E São Paulo se encontrava provavelmente entre aqueles que, seguindo e escutando este discurso, «tinham os corações consumidos de raiva e rangiam seus dentes contra ele» (Atos 7, 54). Podemos ver assim as maravilhas da Providencia divina: Saulo, adversário da visão de Estêvão, depois do encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco, reinicia a interpretação cristológica do Antigo Testamento feita pelo primeiro mártir, aprofunda-a e a completa, e deste modo se converte no «apóstolo dos povos». A lei se cumpre, ensina ele, na cruz de Cristo. E a fé em Cristo, a comunhão com o amor de Cristo, é o verdadeiro cumprimento de toda a Lei. Este é o conteúdo da pregação de Paulo. Ele demonstra assim que o Deus de Abraão se converte no Deus de todos. E todos os crentes em Cristo Jesus, como filhos de Abraão, se convertem em partícipes das promessas. Na missão de São Paulo se cumpre a visão de Estêvão.
A história de Estêvão nos diz muito. Por exemplo, nos ensina que não se pode dissociar nunca o compromisso social da caridade do anúncio valente da fé. Ele era um dos sete que estavam encarregados sobretudo da caridade. Mas não era possível dissociar a caridade do anúncio. Deste modo, com a caridade, anuncia Cristo crucificado, até o ponto de aceitar inclusive o martírio. Esta é a primeira lição que podemos aprender da figura de Santo Estêvão: caridade e anúncio estão sempre unidos.
Santo Estêvão nos fala sobretudo de Cristo, de Cristo crucificado e ressuscitado como centro da história e de nossa vida. Podemos compreender que a Cruz ocupa sempre um lugar central na vida da Igreja e também em nossa vida pessoal. Na história da Igreja não faltará nunca a paixão, a perseguição. E precisamente a perseguição se converte, segundo a famosa fase de Tertuliano, em fonte de missão para os novos cristãos. Cito suas palavras: «Nós nos multiplicamos cada vez que somos segados por vós: o sangue dos cristãos é uma semente de critãos» («Apologético» 50, 13: «Plures efficimur quoties metimur a vobis: sêmen est sanguis christianorum»). Mas também em nossa vida, a cruz, que não faltará nunca, se converte em bênção. E aceitando a cruz, sabendo que se converte em bênção, aprendemos a alegria do cristão, inclusive em momentos de dificuldade. O valor do testemunho é insubstituível, pois o Evangelho leva a ele, e dele a Igreja se alimenta. Santo Estêvão nos ensina a aprender estas lições, nos ensina a amar a Cruz, pois é o caminho pelo qual Cristo se faz sempre presente entre nós.
Fonte: ZENIT

AS SETE REGRAS*

Eis aí um senhor legado; vale a pena pensar nele e aplicá-lo como uma homenagem à grande pessoa que o deixou
O BRASIL perdeu recentemente um grande pensador, um educador formidável e um democrata valente, com a morte de Goffredo Telles Junior. Polêmico muitas vezes, em razão de suas convicções e da forma como as expunha, formou gerações de advogados orientados pelo seu conceito de que a ciência do direito é a ciência da comunhão entre os homens e também é a sabedoria da convivência.

Em uma aula de encerramento de curso na gloriosa São Francisco, o grande mestre fez questão de deixar um legado útil aos seus alunos, uma mensagem que também daria a seu filho se este lhe perguntasse quais as normas da convivência humana. E as resumiu em sete regras que considerava essenciais:

Primeira regra: "Ser simples de coração e atitude".

Queria com isso dizer que por mais poderoso possa alguém ser deve banir do coração a arrogância e a insolência. Propunha abafar o orgulho porque a essência humana é uma só, e o poder é passageiro.

Segunda regra: "Ser verdadeiro, mas não falar oracularmente".

E nessa regra firmava posição irredutível de compromisso com a verdade: nunca escamoteá-la, jamais traí-la, não adulterá-la, não se corromper. Sem a pretensão de ser o dono da verdade, é preciso entender que ela, por circunstâncias, pode até mudar, se prova cabal houver para isso. Portanto, pregar e praticar a verdade não significa ser oracular, absolutamente certo.

Terceira regra: "Saber ouvir, saber reconsiderar, saber confessar nosso engano".

Saber ouvir, segundo o mestre, não é só escutar: é adentrar o espírito das palavras ouvidas, entendê-las sem preconceito, mesmo discordando ou eventualmente duvidando. Dizia que quem sabe ouvir aprende a evoluir.

Quarta regra: "Não ferir o amor-próprio alheio".

Essa é uma regra de ouro, porque a ferida do amor-próprio não se cura. Daí que o cinismo e o sarcasmo são armas violentas que matam o entendimento e a amizade. Zombar de outrem é uma agressão inaceitável e muitas vezes covarde.

Quinta regra: "Não atormentar o próximo com críticas ou lamúrias".
A crítica só faz sentido se for construtiva e nunca terá valor se praticada por inveja, despeito ou incapacidade de fazer bem feito. A crítica como incentivo, sim, mas com muito cuidado, para não ofender e diminuir. Quanto à lamúria, é sempre um desrespeito para o interlocutor otimista. O lamuriento é um chato, deve guardar suas penas só para si. Sua atitude é um lamento em si mesma.

Sexta regra: "Evitar a intimidade".

E explicava que ser íntimo pode representar a invasão da alma, descerrar o mistério do coração do amigo, e isso é perigoso. Se oferecida, a intimidade pode ser aceita com dignidade, mas buscá-la a qualquer preço destrói a amizade, inviabilizava a convivência. Ver por dentro a alma do amigo o transforma em vassalo, dominado, e isso é terrível para a relação.

Sétima regra: "Ser prestativo, sem se tornar intruso nem servo".

Aqui, o mestre pregava o amor em sua essência, cristão mesmo, buscando servir sem pedir compensação ou esperá-la. E servir somente quando precisam da gente, não impondo o serviço. Nem deixando que abusem do dedicado espírito colaborador. Servir sempre, em nome do bem e da verdade. Eis aí um senhor legado! Vale muito à pena pensar nessas regras e aplicá-las para dar sentido à vida. Segui-las é também uma homenagem ao grande brasileiro que nos deixou.

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* Artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 10 de agosto de 2009.
Roberto Rodrigues (ex ministro da Agricultura e ex-aluno do Prof. Goffredo)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

CONGREGAÇÃO PARA O CLERO - CARTA AOS DIÁCONOS PERMANENTES

Carta aos Diáconos permanentes 10 de agosto de 2009

Caríssimos Diáconos permanentes,

Sempre mais a Igreja descobre a inestimável riqueza do diaconato permanente. Quando os Bispos vem à Congregação para o Clero, por ocasião das visitas “ad limina”, o tema do diaconato, entre outros, costuma ser comentado e os Bispos geralmente se mostram muito contentes e cheios de esperança em relação a vós, Diáconos permanentes. Isso nos enche de alegria a todos nós. A Igreja vos agradece e reconhece vossa dedicação e vosso qualificado trabalho ministerial. Ao mesmo tempo, quer encorajar-vos na estrada da santificação pessoal, da vida de oração e da espiritualidade diaconal. A vós pode igualmente aplicar-se o que o Papa disse aos Sacerdotes, para o Ano Sacerdotal, a saber: è necessário “favorecer aquela tensão dos Sacerdotes rumo à perfeição espiritual, da qual sobretudo depende a eficácia do seu ministério” (disc. de 16.3.09).

Hoje, na festa de são Lourenço, diácono e mártir, convido-vos para duas reflexões. Uma sobre vosso ministério da Palavra e outra sobre vosso ministério da Caridade.

Recordamos ainda com gratidão o Sínodo sobre a Palavra de Deus, celebrado em outubro do ano passado. Nós, ministros ordenados, recebemos do Senhor, mediante a Igreja, o encargo de pregar a Palavra de Deus até os confins da terra, anunciando a pessoa de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, sua palavra e seu Reino, a toda criatura. Essa Palavra, como afirma a Mensagem final do Sínodo, tem uma Sua voz, a Revelação, um Seu rosto, Jesus Cristo, e um Seu caminho, a Missão. Conhecer a Revelação, aderir incondicionalmente a Jesus Cristo, como discípulo fascinado e enamorado, partir de Jesus Cristo e com Ele para a Missão, eis o que se espera, decididamente e num modo totalmente sem reservas, de um Diácono permanente. Do bom discípulo nasce o bom missionário.

O ministério da Palavra, que, especialmente para os Diáconos, possui em santo Estêvão, diácono e mártir, um grande modelo, exige dos ministros ordenados um esforço constante para estudar a Palavra e fazê-la sua, ao mesmo tempo em que a proclamam aos outros. A meditação, em forma de “lectio divina”, ou seja, de leitura orante, é um método hoje sempre mais utilizado e aconselhado para comprender, fazer sua e viver a Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, a formação intelectual, teológica e pastoral apresenta-se como desafio para toda a vida. Um qualificado e atualizado ministério da Palavra depende muito dessa formação aprofundada.

Estamos esperando também, para um próximo futuro, o documento do Santo Padre sobre as conclusões do citado Sínodo. Deverá ser acolhido com abertura de coração e com um sucessivo empenho de aprofundamento.

A segunda reflexão diz respeito ao ministério da Caridade, que pode ver em são Lourenço, diácono e mártir, um grande modelo. O diaconato tem suas raízes na organização eclesial da caridade, na Igreja primitiva. Em Roma, no séc. III, período de grandes perseguições aos cristãos, aparece a figura extraordinária de são Lourenço, arquidiácono do Papa são Sixto II, que lhe confiou a administração dos bens da comunidade. De são Lourenço afirmou nosso amado Papa Bento XVI: “A solicitude pelos pobres, o generoso serviço prestado à Igreja de Roma no setor da assistência e da caridade, a fidelidade ao Papa, levada ao ponto de querer segui-lo na prova suprema do martírio, e o heróico testemunho do sangue, prestado poucos dias depois, são fatos universalmente conhecidos” (homilia na basílica de são Lourenço, 30.11.08). De são Lourenço é também conhecida a afirmação: “A riqueza da Igreja são os pobres”. A estes ele assistia com grande generosidade. Eis um exemplo ainda atual para os Diáconos permanentes. Devemos amar os pobres de maneira preferencial, como o fez Jesus Cristo. Ser solidários com eles. Procurar construir uma sociedade justa, fraterna e pacífica. A recente carta encíclica de Bento XVI, “Caritas in Veritate” (A caridade na verdade), seja nosso guia atualizado. Nesta encíclica o Santo Padre afirma como princípio fundamental: “A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja” (n. 2). Os Diáconos, com efeito, identificam-se especialmente com a caridade. Os pobres constituem um de seus ambientes cotidianos e objeto de sua incansável solicitude. Não se comprenderia um Diácono que não se envolvesse pessoalmente na caridade e na solidariedade para com os pobres, que hoje de novo se multiplicam.

Caríssimos Diáconos permanentes, Deus vos abençoe com todo o seu amor e vos faça felizes na vocação e na missão. Às esposas e aos filhos daqueles que, dentre vós, são casados, saúdo com respeito e admiração. A eles a Igreja agradece o apoio e a multiforme colaboração que prestam aos seus esposos e, respectivamente, pais no ministério diaconal. Enfim, o Ano Sacerdotal nos convida a manifestar nosso apreço aos caríssimos Sacerdotes e a rezar com eles e por eles.

Vaticano, 10 de agosto de 2009 (festa de são Lourenço, diácono e mártir).


Cardeal Dom Cláudio Hummes
Arcebispo Emérito de São Paulo
Prefeito da Congregação para o Clero

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

CONCÍLIO VATICANO II - A INSPIRAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DESTE BLOG

DISCURSO DE SUA SANTIDADE PAPA JOÃO XXIII
NA ABERTURA SOLENE DO SS. CONCÍLIO

11 de Outubro de 1992

I Sessão
Veneráveis irmãos
I. Alegra-se a Santa Mãe Igreja, porque, por singular dom da Providência divina, amanheceu o dia tão ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio Ecumênico Vaticano II, aqui, junto do túmulo de São Pedro, com a proteção da Santíssima Virgem, de quem celebramos hoje a dignidade de Mãe de Deus.

II. Os Concílios Ecumênicos na Igreja

1. Todos os Concílios celebrados na história, tanto os 20 Concílios Ecumênicos, como os inúmeros Provinciais e Regionais, também importantes, testemunham claramente a vitalidade da Igreja Católica e constituem pontos luminosos da sua história.

2. O gesto do mais recente e humilde sucessor de são Pedro que vos fala, de convocar esta soleníssima reunião, pretendeu afirmar, mais uma vez, a continuidade do magistério eclesiástico, para o apresentar, em forma excepcional, a todos os homens do nosso tempo, tendo em conta os desvios, as exigências e as possibilidades deste nosso tempo.

3. É bem natural que, inaugurando o Concílio Ecumênico, nos apraza contemplar o passado, para ir recolher, por assim dizer, as vozes, cujo eco animador queremos tornar a ouvir na recordação e nos méritos, tanto dos mais antigos, como também dos mais recentes Pontífices, nossos predecessores: vozes solenes e venerandas, elevadas no Oriente e no Ocidente, desde o século IV até à Idade Média, e desde então até aos nossos dias, que transmitiram desde aqueles Concílios o seu testemunho; vozes a aclamarem em perenidade de fervor o triunfo da instituição divina e humana, a Igreja de Cristo, que recebe dele o nome, a graça e o significado.

4. Mas, ao lado dos motivos de alegria espiritual, é também verdade que sobre esta história se estende ainda, por mais de 19 séculos, uma nuvem de tristeza e de provações. Não é sem motivo que o velho Simeão manifestou a Maria, Mãe de Jesus, aquela profecia, que foi e permanece verdadeira: « Este menino está posto para ruína e para ressurreição de muitos, e será sinal de contradição » (Lc 2, 34). E o próprio Jesus, chegando à idade adulta, fixou bem claramente a atitude que o mundo havia de continuar a tomar perante a sua pessoa através dos séculos, ao pronunciar aquelas palavras misteriosas: « Quem vos ouve, a mim ouve » (Lc 10, 16); e com aquelas outras, citadas pelo mesmo evangelista: « Quem não está comigo, está contra mim; e quem não recolhe comigo, desperdiça » (Lc 11, 23).

5. O grande problema, proposto ao mundo, depois de quase dois milênios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele, e deliberadamente contra a sua Igreja: tornam-se motivo de confusão, causando aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras fratricidas.

6. Os Concílios Ecumênicos, todas as vezes que se reúnem, são celebração solene da união de Cristo e da sua Igreja, e por isso levam à irradiação universal da verdade, à reta direção da vida individual, doméstica e social; ao reforço das energias espirituais, em perene elevação para os bens verdadeiros e eternos.

7. Estão diante de nós, na sucessão das várias épocas dos primeiros 20 séculos da história cristã, os testemunhos deste magistério extraordinário da Igreja, recolhido em vários volumes imponentes: patrimônio sagrado dos arquivos eclesiásticos, tanto aqui em Roma como nas bibliotecas mais célebres do mundo inteiro.

III. Origem e causa do Concílio Ecumênico Vaticano II

1. No que diz respeito à iniciativa do grande acontecimento que agora se realiza, baste, a simples título de documentação histórica, reafirmar o nosso testemunho humilde e pessoal do primeiro e imprevisto florescer no nosso coração e nos nossos lábios da simples palavra « Concílio Ecumênico ». Palavra pronunciada diante do Sacro Colégio dos Cardeais naquele faustíssimo dia 25 de janeiro de 1959, festa da Conversão de são Paulo, na sua Basílica. Foi algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e no coração.
E, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que se despertou, de repente, em todo o mundo, na expectativa da celebração do Concílio.

2. Três anos de preparação laboriosa, consagrados a indagar ampla e profundamente as condições modernas da fé e da prática religiosa, e de modo especial da vitalidade cristã e católica.

3. Pareceram-nos como um primeiro sinal, um primeiro dom de graça celestial.

4. Iluminada pela luz deste Concílio, a Igreja, como esperamos confiadamente, engrandecerá em riquezas espirituais e, recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na verdade, com atualizações oportunas e com a prudente coordenação da colaboração mútua, a Igreja conseguirá que os homens, as famílias e os povos voltem realmente a alma para as coisas celestiais.

5. E assim, a celebração do Concílio torna a ser motivo e singular obrigação de grande reconhecimento ao supremo dispensador de todos os bens, por celebrarmos com cânticos de exultação a glória de Cristo Senhor, Rei glorioso e imortal dos séculos e dos povos.

IV. Oportunidade de celebrar o Concílio

1. Há ainda um argumento, veneráveis irmãos, que não é inútil propor à vossa consideração. Para tornar mais concreta a nossa santa alegria, queremos, diante desta grande assembléia, notar as felizes e consoladoras circunstâncias em que se inicia o Concílio Ecumênico.

2. No exercício cotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos ouvidos sugestões de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, elas não vêem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada aprendeu da história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos Concílios Ecumênicos precedentes tudo fosse triunfo completo da idéia e da vida cristã, e da justa liberdade religiosa.

3. Mas parece-nos que devemos discordar desses profetas da desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo.

4. No presente momento histórico, a Providência está-nos levando para uma nova ordem de relações humanas, que, por obra dos homens e o mais das vezes para além do que eles esperam, se dirigem para o cumprimento de desígnios superiores e inesperados; e tudo, mesmo as adversidades humanas, dispõe para o bem maior da Igreja.
5. É fácil descobrir esta realidade, se se considera com atenção o mundo hodierno, tão ocupado com a política e as controvérsias de ordem econômica, que já não encontra tempo de atentar em solicitações de ordem espiritual, de que se ocupa o magistério da santa Igreja. Este modo de proceder não é certamente justo, e com razão temos de desaprová-lo; não se pode, contudo, negar que estas novas condições da vida moderna têm, pelo menos, esta vantagem de ter suprimido aqueles inúmeros obstáculos, com os quais, em tempos passados, os filhos do século impediam a ação livre da Igreja. De fato, basta percorrer mesmo rapidamente a história eclesiástica, para verificar sem sombra de dúvida que os próprios Concílios Ecumênicos, cujas vicissitudes constituíram uma sucessão de verdadeiras glórias para a Igreja Católica, foram muitas vezes celebrados com alternativas de dificuldades gravíssimas e de tristezas, por causa da intromissão indevida das autoridades civis. Elas, é certo, propunham-se, às vezes, proteger com toda a sinceridade a Igreja; mas, as mais das vezes, isto não se dava sem dano e perigo espiritual, porque eles procediam segundo as conveniências da sua política interesseira e perigosa.

6. A este propósito, confessamo-vos que sentimos dor vivíssima pelo fato de muitíssimos Bispos, que nos são tão caros, fazerem hoje sentir aqui a sua ausência, por estarem presos pela sua fidelidade a Cristo, ou detidos por outros impedimentos; a sua lembrança leva-nos a elevar fervorosíssimas orações a Deus. Porém, não sem grande esperança e com grande conforto para a nossa alma, vemos que a Igreja, hoje finalmente livre de tantos obstáculos de natureza profana, como acontecia no passado, pode desta Basílica Vaticana, como de um segundo Cenáculo Apostólico, fazer sentir por vosso meio a sua voz, cheia de majestade e de grandeza.

V. Fim principal do Concílio: defesa e difusão da doutrina

1. O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz.

2. Essa doutrina abarca o homem inteiro, composto de alma e corpo, e a nós, peregrinos nesta terra, manda-nos tender para a pátria celeste.

3. Isto mostra como é preciso ordenar a nossa vida mortal, de maneira que cumpramos os nossos deveres de cidadãos da terra e do céu, e consigamos deste modo o fim estabelecido por Deus. Quer dizer que todos os homens, tanto considerados individualmente como reunidos em sociedade, têm o dever de tender sem descanso, durante toda a vida, para a consecução dos bens celestiais, e de usarem só para este fim os bens terrenos sem que seu uso prejudique a eterna felicidade.

4. O Senhor disse: « Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça » (Mt 6, 33). Esta palavra « primeiro » exprime, antes de mais, em que direção devem mover-se os nossos pensamentos e as nossas forças; não devemos esquecer, porém, as outras palavras desta exortação do Senhor, isto é: « e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo » (Mt 6, 33). Na realidade, sempre existiram e existem ainda, na Igreja, os que, embora procurem com todas as forças praticar a perfeição evangélica, não se esquecem de ser úteis à sociedade. De fato, do seu exemplo de vida, constantemente praticado, e das suas iniciativas de caridade toma vigor e incremento o que há de mais alto e mais nobre na sociedade humana.

5. Mas, para que esta doutrina atinja os múltiplos níveis da atividade humana, que se referem aos indivíduos, às famílias e à vida social, é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; e, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas condições e formas de vida introduzidas no mundo hodierno, que abriram novos caminhos ao apostolado católico.

6. Por esta razão, a Igreja não assistiu indiferente ao admirável progresso das descobertas do gênero humano, e não lhes negou o justo apreço, mas, seguindo estes progressos, não deixa de avisar os homens para que, bem acima das coisas sensíveis, elevem os olhares para Deus, fonte de toda a sabedoria e beleza; e eles, aos quais foi dito: « Submetei a terra e dominai-a » (Gn 1, 28), não esqueçam o mandamento gravíssimo: « Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás » (Mt 4, 10; Lc 4, 8), para que não suceda que a fascinação efêmera das coisas visíveis impeça o verdadeiro progresso.

VI. Como deve ser promovida a doutrina

1. Isto posto, veneráveis irmãos, vê-se claramente tudo o que se espera do Concílio quanto à doutrina.

2. O XXI Concílio Ecumênico, que se aproveitará da eficaz e importante soma de experiências jurídicas, litúrgicas, apostólicas e administrativas, quer transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios, que por vinte séculos, apesar das dificuldades e das oposições, se tornou patrimônio comum dos homens. Patrimônio não recebido por todos, mas, assim mesmo, riqueza sempre ao dispor dos homens de boa vontade.

3. É nosso dever não só conservar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente da antiguidade, mas também dedicar-nos com vontade pronta e sem temor àquele trabalho hoje exigido, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos.

4. A finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um ou outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando o ensino dos Padres e dos Teólogos antigos e modernos, que se supõe sempre bem presente e familiar ao nosso espírito.

5. Para isto, não havia necessidade de um Concílio. Mas da renovada, serena e tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do « depositum fidei », isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral.

VII. Como se devem combater os erros

1. Ao iniciar-se o Concílio Ecumênico Vaticano II, tornou-se mais evidente do que nunca que a verdade do Senhor permanece eternamente. De fato, ao suceder uma época a outra, vemos que as opiniões dos homens se sucedem excluindo-se umas às outras e que muitas vezes os erros se dissipam logo ao nascer, como a névoa ao despontar o sol.

2. A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações. Não quer dizer que faltem doutrinas enganadoras, opiniões e conceitos perigosos, contra os quais nos devemos premunir e que temos de dissipar; mas estes estão tão evidentemente em contraste com a reta norma da honestidade, e deram já frutos tão perniciosos, que hoje os homens parecem inclinados a condená-los, em particular os costumes que desprezam a Deus e a sua lei, a confiança excessiva nos progressos da técnica e o bem-estar fundado exclusivamente nas comodidades da vida. Eles se vão convencendo sempre mais de que a dignidade da pessoa humana, o seu aperfeiçoamento e o esforço que exige é coisa da máxima importância. E o que mais importa, a experiência ensinou-lhes que a violência feita aos outros, o poder das armas e o predomínio político não contribuem em nada para a feliz solução dos graves problemas que os atormentam.

3. Assim sendo, a Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecumênico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade também com os filhos dela separados. Ao gênero humano, oprimido por tantas dificuldades, ela diz, como outrora Pedro ao pobre que lhe pedia esmola: « Eu não tenho nem ouro nem prata, mas dou-te aquilo que tenho: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda » (At 3, 6). Quer dizer, a Igreja não oferece aos homens de hoje riquezas caducas, não promete uma felicidade só terrena; mas comunica-lhes os bens da graça divina, que, elevando os homens à dignidade de filhos de Deus, são defesa poderosíssima e ajuda para uma vida mais humana; abre a fonte da sua doutrina vivificante, que permite aos homens, iluminados pela luz de Cristo, compreender bem aquilo que eles são na realidade; a sua excelsa dignidade e o seu fim; e mais, por meio dos seus filhos, estende a toda parte a plenitude da caridade cristã, que é o melhor auxílio para eliminar as sementes da discórdia; e nada é mais eficaz para fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna.

VIII. Promover a unidade na família cristã e humana

1. A solicitude da Igreja em promover e defender a verdade, deriva disso que, segundo o desígnio de Deus « que quer salvar todos os homens e que todos cheguem ao conhecimento da verdade » (1Tm 2,4), os homens não podem sem a ajuda de toda a doutrina revelada conseguir uma completa e sólida união dos espíritos, com a qual andam juntas a verdadeira paz e a salvação eterna.

2. Infelizmente, a família cristã, não atingiu ainda, plena e perfeitamente, esta visível unidade na verdade. A Igreja Católica julga, portanto, dever seu empenhar-se ativamente para que se realize o grande mistério daquela unidade, que Jesus Cristo pediu com oração ardente ao Pai celeste, pouco antes do seu sacrifício. Ela goza de paz suave, bem convicta de estar intimamente unida com aquela oração; e muito se alegra depois, quando vê que essa invocação estende a sua eficácia, com frutos salutares, mesmo àqueles que estão fora do seu seio. Mais ainda, se consideramos bem esta mesma unidade, impetrada por Cristo para a sua Igreja, parece brilhar com tríplice raio de luz sobrenatural e benéfica: a unidade dos católicos entre si, que se deve manter exemplarmente firmíssima; a unidade de orações e desejos ardentes, com os quais os cristãos separados desta Sé Apostólica ambicionam unir-se conosco; por fim, a unidade na estima e no respeito para com a Igreja Católica, por parte daqueles que seguem ainda religiões não-cristãs.

3. Quanto a isso, é motivo de tristeza considerar como a maior parte do gênero humano, apesar de todos os homens terem sido remidos pelo sangue de Cristo, não partilhem daquelas fontes da graça divina que existem na Igreja Católica. Por isso, à Igreja Católica, cuja luz tudo ilumina e cuja força de unidade sobrenatural beneficia toda a humanidade, bem se adaptam as palavras de São Cipriano: « A Igreja, aureolada de luz divina, envia os seus raios ao mundo inteiro; é, porém, luz única, que por toda a parte se difunde sem que fique repartida a unidade do corpo. Estende os seus ramos sobre toda a terra pela sua fecundidade, difunde sempre mais e mais os seus regatos: contudo, uma só é a cabeça, única é a origem, uma é a mãe copiosamente fecunda; por ela fomos dados à luz, alimentamo-nos com o seu leite, vivemos do seu espírito » (De Catholicae Ecclesiae unitate, 5).

4. Veneráveis irmãos, isto se propõe o Concílio Ecumênico Vaticano II, que, ao mesmo tempo que une as melhores energias da Igreja e se empenha por fazer acolher pelos homens mais favoravelmente o anúncio da salvação, como que prepara e consolida o caminho para aquela unidade do gênero humano, que se requer como fundamento necessário para que a cidade terrestre se conforme à semelhança da celeste « na qual reina a verdade, é lei a caridade, e a extensão é a eternidade » (Cf. Santo Agostinho, Epist. CXXXVIII, 3).

IX. Conclusão

1. E agora, « dirige-se a vós a nossa voz » (2Cor 6, 11), Veneráveis Irmãos no Episcopado. Eis-nos, finalmente, todos reunidos nesta Basílica Vaticana, onde está o eixo da história da Igreja: onde o céu e a terra estão estreitamente unidos, aqui junto do túmulo de Pedro, junto a tantos túmulos dos nossos Santos Predecessores, cujas cinzas, nesta hora solene, parecem exultar com frémito arcano.

2. O Concílio, que agora começa, surge na Igreja como dia que promete a luz mais brilhante. Estamos apenas na aurora: mas já o primeiro anúncio do dia que nasce de quanta suavidade não enche o nosso coração! Aqui tudo respira santidade, tudo leva a exultar! Contemplemos as estrelas, que aumentam com seu brilho a majestade deste templo; aquelas estrelas, segundo o testemunho do Apóstolo são João (Ap 1, 20) sois vós mesmos; e convosco vemos brilhar aqueles candelabros dourados à volta do sepulcro do Príncipe dos Apóstolos, isto é, as igrejas a vós confiadas (Ap 1, 20). Vemos, ao vosso lado, em atitude de grande respeito e de expectativa cheia de simpatia, essas digníssimas personalidades aqui presentes, chegadas a Roma dos cinco continentes, para representarem as nações do mundo.

3. Pode dizer-se que o céu e a terra se unem na celebração do Concílio: os santos do céu, para proteger o nosso trabalho; os fiéis da terra, continuando a rezar a Deus; e vós, fiéis às inspirações do Espírito Santo, para procurardes que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos vários povos. Isto requer da vossa parte serenidade de espírito, concórdia fraterna, moderação nos projetos, dignidade nas discussões e prudência nas deliberações.

4. Queira o céu que as vossas canseiras e o vosso trabalho, para o qual se dirigem não só os olhares de todos os povos, mas também as esperanças do mundo inteiro, correspondam plenamente às aspirações comuns.

5. Deus todo-poderoso, em vós colocamos toda a nossa esperança, desconfiando das nossas forças. Olhai benigno para estes Pastores da vossa Igreja. A luz da vossa graça sobrenatural nos ajude a tomar as decisões e a fazer as leis, e ouvi todas as orações que vos dirigimos com unanimidade de fé, de palavra e de espírito.

6. Ó Maria, auxílio dos cristãos, auxílio dos Bispos, de cujo amor tivemos recentemente uma prova especial no vosso templo de Loreto, onde tivemos o prazer de venerar o mistério da Encarnação, disponde todas as coisas para um feliz resultado, e, juntamente com o vosso esposo são José, com os santos apóstolos são Pedro e são Paulo, com são João Batista e são João Evangelista, intercedei por nós junto de Deus.

7. A Jesus Cristo, amabilíssimo Redentor nosso, Rei imortal dos povos e do tempo, amor, poder e glória pelos séculos dos séculos. Assim seja! (AAS 54 (1962), pp. 785-795).

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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ASSEMBLÉIA CELEBRATIVA - 20 ANOS DA REGIÃO EPISCOPAL BRASILÂNDIA

Brasilândia - No dia da celebração dos 20 anos - 20/06/2009
Ata - Assembléia Brasilândia

“Meu Pai era um arameu errante: ele desceu ao Egito e ali residiu com poucas pessoas; depois tornou-se uma nação grande, forte e numerosa”. Assim começa o chamado credo histórico de Israel, colocado no livro do Deuteronômio, 26,5ss. E o mesmo credo termina dizendo: “e agora, eis que trago as primícias dos frutos do solo que tu me deste, Yahweh”.

É uma oração a ser recitada quando se apresenta diante de Deus para oferecer-lhe os frutos da terra. Mais ou menos o que estamos fazendo aqui hoje, reunindo-nos para apresentarmos a Deus, e não simplesmente a nós, os frutos de 20 anos da terra que o Senhor Yahweh nos deu. Se não são primícias, ainda são frutos. Não se trata de qualquer terra, mas sim da terra do Brasil. Afinal, é isso que significa Brasilândia: terra do Brasil, ainda que dito através de raízes inglesas. Não vou rememorar fatos, embora talvez devesse fazer isso. Afinal, uma história só é boa quando contada. Mas ela foi mais do que narrada agora, foi apresentada daí que me dispenso de simplesmente narrar fatos. Fazer memória pode ser, também, perguntar-se pelo significado de fatos acontecidos ou de uma história vivida. Por isso quero perguntar-me pelo significado de 20 anos de Região Brasilândia.

A Região começou, todos se lembram, de uma crise. Crise é motivo de crescimento, todos sabem. A divisão da Arquidiocese, motivada por razões de política eclesiástica, dizíamos nós. Sentimo-nos dispersos, atacados, separados. Bem quando se falava de unidade, nos separavam. Ainda mais, dividiu-se a Região Lapa; nos separaram ainda mais. Na época ainda diziam as más línguas que era necessário “encontrar lugar para um bispo”, e por isso dividiram a Lapa, criando uma nova Região. Nascida em meio a solavancos da história, a região, ainda sem nome, tinha apenas tudo a ser feito: estabelecimento de fronteiras, organização interna, cúria, casa do bispo, centro pastoral, tantas coisas que algumas ainda estão por se fazer. Mas pelo menos o nome se estabeleceu rapidamente, não sem discussões: seu nome é Brasilândia, terra do Brasil, do fundo da periferia da cidade. E pelo nome já se define a identidade: é da periferia de São Paulo.

Ser da periferia significa em primeiro lugar saber se arranjar, saber se virar. E a Brasilândia começou a ser se virando. Arrumou uma cúria provisória no prédio da paróquia de Itaberaba; tão provisória que está lá até hoje, como pobre que chega na casa dos parentes e “vai ficando”... Provisoriamente também se definiu a moradia do bispo: no fundo do seminário da Freguesia; provisoriamente, está lá até hoje. Saber viver do provisório, saber utilizar o pouco que se tem é não apenas característica dos pobres, que não têm outra coisa a fazer, mas dos que têm fé, e confiam na ação de Deus. Não uma ação mágica, de quem vai “prover” o que não se tem, mas a confiança do filho que sabe que é assistido pelo Pai e por isso, vai se virando...

Viver do provisório não significa aquele velho adágio que “somos peregrinos neste mundo porque nossa pátria é o céu”; na Terra do Brasil, Brasilândia, viver do provisório, como é próprio dos pobres, significa não se apegar às posses e propriedades, significa não ater-se ao que se possui, até porque como definição o “pobre não tem”, mas compreender que viver é cultivar outros valores que não os de propriedade. Significa fazer confiança, ou seja, ter fé numa promessa feita por alguém que já provou que nos ama ao ponto de entregar sua vida. Viver do provisório é uma maneira de testemunhar a fé que se tem.

Mas a história da Região Brasilândia desenvolveu-se, e muito, no depois de sua criação. Um momento de crise é gerador de crescimento, e foi assim que se deu. A Brasilândia aos poucos se estruturou, contando com o trabalho abnegado não só dos bispos, o primeiro e o segundo, ou dos padres, mas sobretudo de leigos e leigas, religiosos e religiosas, tantos e tantas que gastaram suas vidas ajudando a construir esta igreja. Celebramos hoje 20 anos de Região, tentando ver que “há males que vêm para o bem”, como diz a voz do povo.

Durante todo este tempo a Região viveu com muitas dificuldades: financeiras, de pessoal, crises de todos os tipos. Não foram poucos os momentos em que, de cima, de baixo ou pelos lados procurou-se fazer com que a Região Brasilândia desaparecesse, não como entidade geográfica, mas como comportamento eclesial. Mas ela resistiu, está aí. A Brasilândia, teimosamente, continua Brasilândia. Vivendo da bela e santa teimosia (assim como há uma bela e Santa Catarina!), teimosia dos pobres. Porque os pobres são teimosos, teimam em continuar vivendo quando tantas forças querem sua morte. A igreja que se une aos pobres aprende a ser teimosa. Teimar em viver, teimar em cultivar sua identidade eclesial, teimar em afirmar o princípio de comunhão na igreja, teimar em colocar-se ao lado e ao serviço dos pobres, teimar em fazer-se ministérios e participação, teimar em ser igreja. Santa Teimosia!!! Para os ouvidos mais puros, pode-se falar em “Perseverança”. E, como diz a Escritura, “quem perseverar até o fim será salvo”!

1989, ano do nascimento da Região Brasilândia, foi também ano de outros acontecimentos, como a queda do muro de Berlim, do outro lado do mundo, ou a presença de uma prefeita atenta à periferia, esta mais próxima de nós. Foi também ano de messianismos colloridos e de críticas ao velho jeito de ser “novo jeito de ser igreja”. Foi momento em que começou-se a perceber, também no seio da igreja, que o leme estava girando. A barca não procurava apenas outra condução ou outra direção, procurava outras águas onde navegar, mais calmas e seguras. O discurso de firmeza, clareza e segurança voltava a convencer multidões. A Região Brasilândia foi sentindo isso também, ainda que aos poucos. Questões e debates diferentes foram aparecendo aos poucos, povoando corações, mentes e reuniões. Até que chegou o momento de ser claro. E aí a igreja da Terra do Brasil deixou então bem claro para todos: ela continua a apostar nas Cebs.

As comunidades eclesiais de base sempre se afirmaram como “novo jeito de ser igreja”. Novo não apenas porque continha novidade no seu nome, mas porque apostava numa proposta diferente do que a velha e conhecida mentalidade eclesiástica. Durante algum tempo as Cebs pensaram que esse “novo jeito” significava simplesmente “nova estrutura”. E a Brasilândia teve de, ao fio dos anos, aprender que isso significava “ser igreja de outro jeito”, com ênfase no jeito, e não na estrutura. Afinal, comunidades eclesiais de base não são uma estrutura: são uma mentalidade. E a Brasilândia continuou com a mentalidade de comunidades de base, isto é, uma mentalidade que vê não simplesmente a estrutura de uma “administração” feita de pequenas comunidades, ainda que isso não seja ruim, mas sim a compreensão de que a tarefa eclesial é vocação de todos, e não só de alguns, tenham ou não vestes diferentes; que a igreja é toda ministerial, e não que alguns tenham a concentração de todos os ministérios; a compreensão de verdadeiro protagonismo eclesial de leigos e leigas, não apenas porque se quer participação, mas em virtude da razão sacramental do batismo; o pensamento que a igreja é servidora do mundo, e por isso a atuação social e política é inerente ao ser cristão, uma vez que o mundo é que precisa ser salvo. Enfim, a Brasilândia continuou teimosamente a querer ter mentalidade de Comunidade Eclesial de Base.

Importante lembrar que a Brasilândia não se faz igreja dos pobres simplesmente por situação geográfica. Também aqui a questão é de mentalidade. A evangélica opção pelos pobres, reafirmada pela Conferência de Aparecida e pelas Diretrizes Gerais da CNBB, não é opcional, nem relativa, nem geográfica. É inerente à fé cristã, como até o papa reconhece. A Brasilândia é igreja dos pobres não porque está na periferia, mas porque reconhece a presença de seu Deus no meio desse povo. Por isso não é simplesmente assistencialista, e nunca se afastou da prática política. Uma igreja dos pobres não é a que simplesmente os reúne e lhes dá coisas que se tem, seja comida ou catequese; igreja dos pobres é a que se põe a seu serviço, que assume sua defesa proclamando “o evangelho da dignidade humana”, segundo as palavras de Aparecida. É uma igreja que não separa material do espiritual, nem temporal ou social do religioso; é uma igreja que sabe que existem estruturas de pecado, mesmo se não se fala mais delas (aliás, a perda da consciência de pecado não se dá, sobretudo, no nível estrutural); é uma igreja que não se contenta em rezar para que o sofrimento do irmão diminua, mas que se compromete solidariamente com os que sofrem. E aqui, muitas vezes, a Brasilândia foi “a voz do que grita no deserto”; outras vezes teve de ouvir o grito do pobre “clamando à porta”, porque até corria o risco de esquecer sua identidade e sua função.

Aliás, cabe bem numa celebração um ato penitencial. E a igreja da Brasilândia também tem de pedir perdão e se penitenciar. E como! Mas não de sua teimosia, que é virtude como vimos, ou de sua criticidade, igualmente valorosa, como veremos. Tem de se penitenciar porque nem tudo são flores em sua caminhada, ao contrário, ela carrega muito entulho. Entulho que vem de mentalidades autoritárias e de gestos arbitrários que, de baixo até em cima, corroem o espírito de comunhão; entulho que vem de sentimentos de devocionismos que cultivam a religiosidade, mas não o ser de igreja; práticas administrativas que confundem o particular com o de todos, e socializam dívidas sem contemplar as necessidades dos pobres, repetindo o que acontece no mundo da política, tantas vezes corrompido; pensamentos e práticas que criam rivalidades e oposições entre aqueles que deviam testemunhar a comunhão, ou seja, entre líderes de comunidades, padres, movimentos eclesiais; mentalidades que confundem o serviço aos outros com o serviço a si próprio, buscando privilégios, carreira, bem-estar. Enfim, é preciso lembrar que nem sempre a Brasilândia foi Brasilândia, e cedeu a tentações e facilidades, falsificou seu ser e sua identidade.

Mas isso foi às vezes. Outras vezes ela demonstrou seu espírito de vanguarda, como por exemplo na questão da formação de leigos e leigas (permitam que eu me expresse dessa maneira, ao invés de dizer laicato, termo que não considero adequado). O Itebra desempenhou certo pioneirismo, que hoje é seguido por praticamente todas as regiões episcopais. Suas semanas de estudo e formação, que não precisam ser simplesmente litúrgicas, também são exemplos seguidos em muitos lugares. Até o recente Documento de Aparecida lembra a importância da formação de leigos e leigas, e lembra que não se trata simplesmente de formação catequética, mas completa. Essa ênfase na formação de agentes de pastoral, em todos os níveis e ambientes, construiu uma igreja participativa, porque capacitada para pensar que participar é importante, e comunhão é o outro nome de Deus. Se nem sempre ela conseguiu acompanhar convenientemente os leigos e leigas que formou ocasionando situações em que estes se viram abandonados e terminaram por abandonar as estruturas eclesiais, isto é um de seus pecados; mas o investimento na formação continua sendo exigido pelo povo e precisa continuar sendo uma prioridade na igreja.

Ao lado de leigos e leigas com consciência de participação, a Brasilândia tem um clero especial. Formados ou não na Arquidiocese, nossos padres têm um comportamento eclesial diferenciado; não formamos um clero, formamos um presbitério. A questão não é meramente semântica, mas eclesiológica. Somos corresponsáveis pela Região, nutrindo um espírito de comunhão e de “cuidado para com todas as igrejas”. É verdade que nem sempre enfrentamos convenientemente nossas diferenças, e muitas vezes estabelecemos concorrência e luta pelo poder; é verdade que nossos pecados, pessoais e coletivos, nos pesam nos ombros, inclusive aqueles de não nos comprometermos suficientemente uns com os outros, sem a necessária caridade presbiteral. Tanto que a pastoral presbiteral ainda não é realidade entre nós e a comissão de presbíteros sua bastante, sem conseguir responder aos desafios de estabelecer uma verdadeira comunhão entre padres tão diferentes. Mas é verdade também que a maioria de nós enfrenta, de peito aberto, o desafio de testemunhar a fé e a solidariedade nas periferias de nossa Região. As comunidades da Brasilândia ostentam a luminosidade da santidade de tantos padres que, se não recitam nos horários previstos a liturgia das horas, não medem esforços para congregar o Povo de Deus e fortalecê-los na solidariedade, desempenhando sua função de pastores no modelo de Jesus de Nazaré.

Por isso temos rosto. A Brasilândia tem características próprias, que assustam muitas vezes quem não se dispõe à comunhão vivida, preferindo discursos genéricos distanciados do dia-a-dia da vida do povo de Deus. Sim, a Brasilândia é crítica, exigente. Aqui, quem “põe a mão no arado e olha para trás” é duramente criticado, porque o discurso, inclusive o religioso, tem de ser acompanhado pelo testemunho. Não se trata da imposição de pontos de vista de uns sobre outros, mas da clareza evangélica de dizer sim quando é sim, e não quando é não. Temos consciência que somos não donos da verdade, mas sujeitos de participação que têm o direito de expor seu ponto de vista, de cobrar coerência e de responsabilizar-se verdadeiramente pelo pastoreio do Povo de Deus que nos foi confiado. E se certa eclesiologia universalista está presente no nosso meio, sabemos todos que o compromisso eclesial é para ser vivido primariamente em nossa igreja local. E o fazemos, e desejamos que todos o façam.

Por isso a Brasilândia enfrenta os desafios da cidade grande e de suas periferias. Tantas são as pastorais e atividades que fecundam a vida de nossas comunidades, as tornam comprometidas com a evangelização no sentido da afirmação do “evangelho da dignidade humana”. Enfrentamos o conjunto de pastorais lutando por uma pastoral de conjunto, e reunimos nossas igrejas numa rede de comunidades, porque é na comunhão que acreditamos, e não nos individualismos mais ou menos heróicos. Assim compreendemos nossa missão de ser seguidores de Jesus, não buscando confortos, privilégios ou publicidade, mas a criação de relacionamentos renovados que brotam da Páscoa do Senhor.

Somos igreja não porque temos templos, a maioria precisando de reformas, ou fazemos reuniões, e tantas! Mas porque nos reunimos pela fé apostólica no mesmo Deus que quer a vida dos pobres; porque nos colocamos na escuta de sua Palavra, na Escritura e na vida; porque celebramos a eucaristia, os sacramentos, as devoções, liturgias e outras rezas com espírito de comunhão filial e fraterna; porque construímos solidariedade guiados e ajudados pelo testemunho apostólico dos pastores que nos são dados. Somos assembléia eclesial não porque nos foi dado um ordenamento jurídico, mas porque permanecemos fiéis “ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações”. Numerosos prodígios e sinais se realizam por meio dos apóstolos, e tentamos colocar entre nós tudo em comum, dividindo os bens segundo as necessidades de cada um. Dia após dia somos assíduos nos templos e partimos “o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração” (At 2, 42ss).

Sabemos que é o Espírito que produz isso em nós. Mas sabemos também que não somos perfeitos. Temos muito ainda que caminhar, e por isso somos igreja da Esperança. Por várias razões: por estarmos no continente da esperança; por sermos Terra do Brasil, e este ser o país da esperança; porque sabemos que o que somos não é o que queremos ser, nem o que somos chamados a ser; porque queremos outro mundo que aquele que temos agora; porque a esperança é a força dos pobres e para ela nos conduz nossa fé. Também porque foi a esperança que aprendemos com nossos pastores: sim, queremos “paz e esperança” e aprendemos com o profeta da metrópole que é preciso caminhar “de esperança em esperança”, que é preciso ter “esperança sempre”! Nós não vivemos de ilusão, mas da esperança de ver “o dia da paz renascer e o sol da esperança brilhar” sobre todos os pobres e excluídos, na esperança de ver o Reino de Deus estabelecendo a justiça e a solidariedade entre todos os membros da criação de Deus.

O que é a Região Brasilândia? Qual seu rosto? Quais suas características?

A Brasilândia é uma igreja da periferia que vive do provisório e com teimosia se afirma no espírito das Cebs como igreja dos pobres, apesar de seus pecados; investe na formação e na participação de todo o Povo de Deus para viver o Espírito de Comunhão, como igreja toda ministerial, participativa, crítica e coerente; onde brilham não poucos testemunhos de santidade, e na fidelidade do seguimento de Jesus proclama a Esperança do Reino de Deus.

Em Perus, Brasilândia, no dia da celebração dos 20 anos, 20/06/2009.
Antonio Manzatto