segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O Papa Luciani e o Papa Bergoglio


No sábado, 26 de agosto de 1978, à tarde, após apenas um dia de conclave, o cardeal proto-diácono Pericle Felici anunciava aos fiéis na Praça São Pedro a eleição do patriarca de Veneza Albino Luciani, como sucessor de Paulo VI. De origem humilde, nascido em Canale d’Agordo, num vale das montanhas belunenses, Luciani – que havia escolhido o nome de João Paulo em honra dos seus dois imediatos predecessores – fora bispo de Vitório Vêneto e, portanto, cardeal patriarca na diocese da Sereníssima. Seu “reinado” durou somente 33 dias: o Papa foi encontrado morto em seu leito na manhã de 29 de setembro.

A importância do seu pontificado, segundo disse João Paulo II, foi “inversamente proporcional à sua duração”. Com efeito, aquele que frequentemente foi recordado como “o Papa do sorriso”, suscitou muitas esperanças. A simplicidade de sua presença e de sua linguagem, suas palavras sobre o pecado e a misericórdia, sua maneira de ser pároco e pastor, sua evidente estranheza aos jogos curiais deixaram uma recordação indelével em tantas pessoas que ainda o veneram. Promovida por tantos fiéis e pelo inteiro episcopado do Brasil, a causa de beatificação se aproxima dos toques finais e está em fase de conclusão a “Positio” com a documentação e os testemunhos.

Embora sejam diversos por sua história, proveniência e formação, o Papa Luciani e o atual bispo de Roma Francisco têm diversos aspectos em comum. Francisco é um religioso jesuíta, Luciani um padre secular. Mas, é conhecida a atração que o jovem Albino percebia pela ordem fundada por Santo Inácio, em razão da influência exercida sobre ele pelo jesuíta bellunense Felice Cappello, do qual era também parente distante. Testemunhou-o a irmã de João Paulo I, Antonia Luciani, num escrito publicado sobre os “30 Dias” há uma década.

Meu irmão, a certa altura, teve o desejo de tornar-se jesuíta. Confiou isto precisamente a mim. Eram os anos de 1934-35. Pouco tempo antes que fosse ordenado sacerdote. Dois colegas seus de seminário, dos quais Albino era amigo de velha data, tinham entrado na Companhia de Jesus: o padre Giuseppe Strim di Calcade e o padre Roberto Busa... Ele me disse: “Sabes que Giuseppe Strim e Roberto Busa se tornaram jesuítas? Também a mim isso agradaria tanto...” “E se o queres” disse eu, “faze assim também tu”. “Não posso”, respondeu. “Pede permissão ao bispo...” E ele: “Eu o fiz, mas ele respondeu com um não”. Eram necessários sacerdotes que fiquem na diocese. E assim o bispo não permitiu.”

Um primeiro traço comum aos dois Papas é a simplicidade de suas palavras e a capacidade de fazer-se entender pelas pessoas humildes. Luciani tinha recebido sobre isto uma grande lição de seu pároco de Canale, que ao jovem seminarista havia recomendado pregar sempre tendo presente que suas palavras deviam ser compreendidas também pela velhinha sentada no fundo da igreja, que não tinha ido à escola.

Catequética em migalhas” é o título do livro que Luciani publicou em 1949, e também como bispo, cardeal e Papa permaneceu fiel àquela recomendação do pároco. As poucas audiências gerais que teve condições de realizar no Vaticano durante o mês de pontificado, caracterizadas por diálogos com as pessoas, sem textos escritos, são um exemplo que permanece na memória.

Também Francisco, como o demonstram as breves pregações matinais em Santa Marta, mas também as numerosas falas acrescentadas sem texto durante os Angelus, as catequeses e as homilias, se comunica de modo simples e direto.

Há, depois, sintonias que dizem respeito à mensagem. O Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, tem sublinhado a importância da misericórdia, por ele apresentada como a mensagem mais importante de Jesus. Misericórdia e perdão: “Deus jamais se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir-lhe perdão”.

Também Luciani insistia sobre este tema:

Nenhum pecado é demasiado grande: uma miséria finita, embora enorme, poderá sempre ser coberta por uma misericórdia infinita”. Como Papa, ele que havia escolhida a palavra “humilitas” como seu emblema episcopal, recordava: “Corro o risco de dizer um despropósito, mas eu o digo: o Senhor ama tanto a humildade que, às vezes, permite pecados graves. Por que? Para que aqueles que os cometeram, estes pecados, depois de arrependidos, permaneçam humildes...”.

Ambos sempre sublinharam a importância da graça, da iniciativa de um Deus que nos “antecede”, nos precede. Ambos procuraram – como de resto o fez também Bento XVI – reduzir o protagonismo do Papa.

Tanto Luciani como Bergoglio, também após a ordenação episcopal, continuaram transcorrer bastante tempo no confessionário, em contato com as pessoas e seus problemas. Francisco, desde os primeiros dias de pontificado, contou episódios que se referiam à sua experiência de confessor e aos diálogos tidos com os penitentes. Luciani havia amadurecido uma posição de certa possibilidade – antes da publicação da “Humanae vitae” de Paulo VI – sobre a contraconcepção, precisamente em razão de seu estar em confessionário.

Outro ponto em comum e representado pela alergia com os padres enredeiros que usam despropositadamente o dinheiro. O Papa Francisco já pós a mão no IOR, que se encontra sob acusação por sua gestão nem sempre transparente. No diálogo com o rabino Abraham Skorka, publicado no livro “O céu e a terra” [Il cielo e la terra], o então cardeal Bergoglio referia um episódio acontecido pouco depois de sua nomeação a bispo auxiliar, no início dos anos noventa, quando dois funcionários oficiais procuraram envolvê-lo em transações financeiras pouco limpas com a escusa das ofertas para os pobres: “Para certas coisas eu sou um grande ingênuo, mas para outros se me ativa “o alertômetro”. E daquela vez funcionou”.

Luciani teve que se confrontar com problemas semelhantes em Vittorio Vêneto, e não é um mistério que, como patriarca de Veneza, não tivesse digerido o danosidade de certas operações do “banco vaticano”, permitidas e pouco ligadas aos ouropéis do “bispo príncipe”, tem diversas vezes falado deste tema. Ficaram famosas e causaram estupor as palavras pronunciadas por João Paulo I durante uma audiência, quando ele disse que a propriedade privada “não constitui para alguém um direito incondicionado e absoluto”, recordando que “os povos da fome interpelam hoje de maneira dramática os povos da opulência”. Eram palavras de Paulo VI.

Enfim, não é esquecido o ato que Francisco, desde sua primeira saudação aos fiéis na tarde de 13 de março passado, propôs ser acima de tudo “bispo de Roma”. Num colóquio com o Secretário de Estado Jean Villot, João Paulo I disse:

"Digo-lhe com o coração na mão que antes de tudo eu sou um padre e agora sou também Papa, mas eu quero ser um pastor, não um funcionário de ofício... Eu sou primeiro o bispo de Roma e depois o Papa. Sei que são duas coisas numa só, mas eu não quero fazer a figura do figurante diante dos meus párocos e de meu povo”.

Reportagem de Andrea Tornielli, publicada por Vatican insider, 24-08-2013.

Tradução é de Benno Dischinger.